26 de jul. de 2013

Em Turvo, as comunidades guarani e caingangue transformaram a tradição em uma forma de ganhar dinheiro.

Tradição indígena torna-se produto de exportação
É em um puxadinho de chão batido feito com galhos de árvores que a índia guarani Márcia Pires de Lima, de 34 anos, se enche de orgulho para falar da tradição do pai em tomar chimarrão: “Meu pai, até hoje, prepara a própria erva para o chimarrão”. Sentados em um banco em frente a uma fogueira que fica acesa desde o clarear do dia até o anoitecer, ela e o marido, Knomi Gabriel Tupã, de 27 anos, aquecem a água em uma chaleira já queimada pelo fogo e ajeitam, em meio à fumaça, a erva na cuia.

Os cuidados que o casal tem no preparo do chimarrão fazem parte de uma tradição que passa de geração em geração. À espera do primeiro filho, os moradores da Aldeia Koenjo-Porã, que fica em uma reserva indígena na cidade de Turvo, região Central do estado, aprenderam com os pais que chimarrão bom é aquele moído na hora e com água aquecida em fogueira de chão.
A tradição de tomar chimarrão não é exclusividade da família de Márcia e Gabriel. Foram os índios guarani e caingangue que iniciaram essa prática, muito antes da chegada dos europeus ao extremo sul americano. Por muito tempo, o consumo da Caá-i (água de erva saborosa) foi restrito apenas a membros importantes das tribos como caciques e pajés.
Os índios extraíam a erva-mate nativa e cortavam os galhos formando pequenos feixes. Depois de sapecar a erva em uma fogueira, ela era socada em um pilão de pedra ou madeira e armazenada para consumo. Nos primórdios, a comunidade indígena usava um porungo para misturar a erva-mate à água e uma espécie de pele fina de madeira para sorver a bebida.
Como forma de agradar os ‘visitantes’, os índios passaram a oferecer o chimarrão e a cultura de tomar a Caá-i se espalhou.
Ritual do mate
O chimarrão, na aldeia Koenjo-Porã, ainda tem um papel muito importante dentro das tradições. Um ritual com a planta é realizado anualmente para trazer boas energias. Os homens da tribo colhem a erva-mate e juntamente com o cacique e o pajé eles se reúnem naOpy (casa de reza) onde fazem o processo de sapecagem, secagem e cancheamento juntamente com rezas e danças. Depois do ritual, cada família leva para casa uma quantidade que deve ser consumida. Segundo a tradição dos índios guarani, o ritual traz boa sorte e todas as famílias da aldeia precisam tomar da erva preparada na casa de reza.
Além de consumir como bebida, os índios usam o chimarrão junto com outros medicamentos. Segundo eles, quando acordam indispostos, colocam ervas medicinais na água de chimarrão e tomam. É melhora na certa.
Dentro da cultura indígena de tomar o chimarrão, o correto é ingerir de duas a três vezes por dia, sempre antes das refeições. Quem estiver com a cuia deve tomar toda a água para depois passar para o próximo da roda e, as crianças não consomem a bebida. A prática pode ser iniciada quando completam 12 ou 13 anos.
Tradição que virou lucro
Em Turvo, as comunidades guarani e caingangue transformaram a tradição em uma forma de ganhar dinheiro. Os índios dessas duas tribos estão em uma área territorial que possui muitos pés nativos de erva-mate. Eles aproveitaram essa abundância natural para aumentar a renda das famílias.
A extensão da área, cerca de 12 mil hectares, e a quantidade de árvores de erva-mate nativa chamaram a atenção de empresas que trabalham com produtos orgânicos. Hoje, as aldeias Koenjo-Porã (guarani) e Marrecas (Caingangue) exportam para a Guayaki Yerva Mate, que tem sede na Califórnia, Estados Unidos.
De toda a erva-mate exportada pelas comunidades indígenas de Turvo para os Estados Unidos, 35% é transformado em chimarrão, o restante é usado na fabricação de bebidas.
A colheita que produz sonhos
Segundo os índios, em uma semana de trabalho é possível ganhar cerca de R$ 200 com a venda de erva-mate. “Colhi 500 quilos em três dias e fiz baldeação em um, mas é trabalho sem folga”, garante o vice-cacique da aldeia guarani, Ramon Vogado, de 30 anos.
O fiscal de erva-mate da aldeia caingangue, Jesus Bandeira, 40 anos, é o responsável por marcar o que cada um produz, receber da empresa que beneficia o produto e pagar os colegas. Ele calcula que, em média, cada índio colhe entre 300 e 400 quilos por semana.
A arte de escalar árvores
A erva-mate nativa chama atenção do mercado externo por algumas características: seu sabor é mais suave, com folhas que têm um verde mais vivo. Cada pé pode atingir até 12 metros de altura.
Espalhados pela mata nativa, os índios precisam fazer longas caminhadas para encontrar uma árvore. Para chegar aos galhos, eles escalam a árvore com o auxílio de duas ferramentas de ferro, com ganchos nas pontas, que são amarradas nos pés. De lá do alto, eles cortam grandes galhos com o facão. Depois de podar toda a árvore, o índio desce e começa a quebrar em pequenos pedaços os galhos, que são amarrados em grandes feixes de até 40 quilos. Cada indígena precisa baldear o que colheu até um trator que fica a espera do produto. Depois de pesado, um fiscal marca quanto cada um produziu e então o produto segue para uma empresa de beneficiamento.

http://www.turvoativo.com.br/noticias/em-turvo-as-comunidades-guarani-e-caingangue-transformaram-a-tradicao-em-uma-forma-de-ganhar-dinheiro/

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